o tom épico das linhas dos poemas é apenas o clímax da montanha, fica após uma escalada trabalhosa e nem sempre entusiasmante e antes de uma queda de fazer a gravidade entrar pelo corpo adentro e o sangue sair pelo corpo afora. essa é a maravilha da dor e do amor, poder encerrar num punho fechado e forçosamente vazio, todo o significado das coisas e um pouco dos fluídos originários do universo.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
sem título
esse prado, esse chão de labareda, ou deserto, que importa, até mesmo um oceano inteiro levantado em vagas crestadas até à espuma, são a brasa com que marcamos na carne o valor do caminho e os obstáculos que nos fazem crescer as asas que nos erguem por esses céus acima, por sobre a muralha. da china ao outro lado do mundo. como um cavalo resfolegante e aceso. ou uma nave a remos de milhões de escravos, onde cada um deles somos nós carregados de vigor e suor com os braços a puxar e a empurrar a madeira lascada ao batimento do músculo cardíaco obediente ao clamor do bombo que também somos nós que tocamos.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
paredes de areia
a minha casa ainda é a minha casa
mas já não moro lá
a minha família ainda é a minha família
mas não mora comigo.
são as paredes que me acolheram
e a educação que me deu
que me expulsam.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
sexta-feira, 28 de julho de 2017
sem título
a pele é a mais osmótica
das superfícies
em nenhum outro deserto
nasceria de uma flor
um oásis
semente certa
a carne
desse rio
que encontra entre as dunas
um caminho oculto
vem-te no meu coração
e não precisarás de água
nem bússola.
das superfícies
em nenhum outro deserto
nasceria de uma flor
um oásis
semente certa
a carne
desse rio
que encontra entre as dunas
um caminho oculto
vem-te no meu coração
e não precisarás de água
nem bússola.
quinta-feira, 6 de julho de 2017
anda
anda
deixa a manta do alentejo
cobrir o pássaro cansado
que trazes no peito
e abraçar o teu músculo fremente
no fresco da água
no calor do campo
a terra pensa as chagas
e sara a vida.
sábado, 24 de junho de 2017
sem título
vou-me embora
não pra Pasárgada
mas de volta ao musgo
do silêncio
onde ainda se estendem os meus rizomas
serenos
alheios ao oxigénio
da multidão.
não pra Pasárgada
mas de volta ao musgo
do silêncio
onde ainda se estendem os meus rizomas
serenos
alheios ao oxigénio
da multidão.
sexta-feira, 19 de maio de 2017
R.
escreve-me um poema
com voz grave
e língua tímida entre dentes miúdos.
no seu corpo um astro morto
acende-se de asas abertas e plumagem de chamas
palavras âmnio
nascidas na maternidade de estrelas
dos teus pulmões.
com voz grave
e língua tímida entre dentes miúdos.
no seu corpo um astro morto
acende-se de asas abertas e plumagem de chamas
palavras âmnio
nascidas na maternidade de estrelas
dos teus pulmões.
quarta-feira, 3 de maio de 2017
sem título
quarenta mil quilómetros pelo meridiano
uma revolução completa
das auroras boreais não podes dizer que não existem
mas resta-te pequena uma memória incerta
como do tempo em que os animais falavam
uma volta intacta com dois equadores pelo meio,
das auroras boreais não podes dizer que não existem
mas resta-te pequena uma memória incerta
como do tempo em que os animais falavam
uma volta intacta com dois equadores pelo meio,
quatro trópicos,
e nem um achado arqueológico sobre o medo
ou tratado sobre a lama
ou tratado sobre a lama
só a fuligem de enxofre dos vulcões te recorda o que vieste fazer ao mundo.
eis a tarefa dos mortais. cuspir como a terra as entranhas e deixar que o vento espalhe as cinzas.
quinta-feira, 23 de março de 2017
sem título
o meu gato preto
o lua-cheia
à meia-noite acende-se
azul como o dorso de uma alcateia
de corvos no cio.
quarta-feira, 22 de março de 2017
sem título
a tua voz
incandescente libertou em lava
o meu nome
que ao arrefecer
no meu peito em vez de basalto
fez um coração.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
sem título
há coisas que nunca mudam
os teus olhos
a tua voz
as tuas mãos em concha
dentro do meu peito
berço que acende o meu coração
vês essa incandescência se apagares as luzes em volta.
os teus olhos
a tua voz
as tuas mãos em concha
dentro do meu peito
berço que acende o meu coração
vês essa incandescência se apagares as luzes em volta.
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