quinta-feira, 26 de junho de 2014

com as mãos

com as mãos o terreno
com as mãos sulcado
com as mãos o corpo
e os dedos
agarrado
com as mãos o cabelo
punho fechado
com as mãos a anca
suave e um beijo
com as mãos o orvalho
frio na pele
com as mãos um toque
um lábio
um sopro
com as mãos um deslizar leve
sobre o sobrolho
com as mãos um aperto
contra a parede
contra o corpo
contra as mãos
as nádegas com as mãos
encostadas
com as mãos a roupa
despida
no chão

terça-feira, 1 de abril de 2014

sem título

queremos todos respirar um ar 
que não seja uma lâmina em chamas
a sangrar-nos a garganta e os pulmões
e queremos todos poder ouvir o bater 
simples, tum-tum, tum-tum,
dos nossos corações.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

do fogo

a mais bela igreja é a que arde
e o mais belo fogo é o das asas dos corvos
da imaginação
que nos libertam da luz bíblica que nos ofusca.
a regra mais inflexível é a que não se aplica
e o tempo só nos esgota porque não se volta atrás.
o caminho é de lava apesar de escuro
e quem não sente caminha descalço,
os loucos porém seguirão no dorso de cavalos alados
voando no ar de cinzas até ao mar onde repousam mortos
os lúcidos.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

alma

fechei na palma da mão uma concha
com o murmúrio do mar em ondas
de chamas.

beijou-me a face salgada o vento
enquanto da concha a todo o custo
tenta fugir a minha alma em fumo negro.

refém de um búzio na  mão fechada
dentro de uma espiral com cores de interferência.

é uma espécie de caranguejo-eremita em habitação indesejada.

lá fora, o mar e o céu. a liberdade além do mar, além do céu, além de tudo.
além das flores, do chão, do prado e do vulcão. lá fora, a liberdade, além da praia, do caixão,
além das pedras, das árvores, da fruta de verão.

lá fora, as cidades, e algumas crianças, escutam o sussurro do mar
que sou eu preso dentro de um búzio na minha mão.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

queda

pássaro loucura
em chamas de beleza
em voo queda
para onde me levas
corta a corda que nos prende
e cai sem mim.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

espírito

se alguma coisa levo deste mundo
é a memória falsa suave de um sonho
em que as palavras me não faltam
e definem sem hesitação a própria verdade
à imagem do que vejo como sou.

falsas imagens de um poema que me surge
como fantasma, ou como o cheiro de aguardente,
que fugaz nos abandona,
um espírito que nos habita mas não existe.

e entre as palavras, somos apenas homens,
que é como ser humano entre deuses.